sábado, 30 de maio de 2009

(...)
- Não quero pousar mais, só repousar.
E olhou para cima. O céu parecia baixo, rasteiro. O azul desse céu era tão intenso que se vertia líquido, nos olhos dos bichos.
Então, o flamingo se lançou, arco e flecha se crisparam em seu corpo. E ei-lo, eleito, elegante, se despindo do peso. Assim, visto em voo, dir-se-ia que o céu se vertebrara e a nuvem, adiante, não era senão alma de passarinho. Dir-se-ia mais: que era a própria luz que voava. E o pássaro ia desfolhando, asa em asa, as transparentes páginas do céu. Mais um bater de plumas e, de repente, a todos pareceu que o horizonte se vermelhava. Transitava de azul para tons escuros, roxos e liliáceos. Tudo se passando como se um incêndio. Nascia, assim, o primeiro poente. Quando o flamingo se extinguiu, a noite se estreou naquela terra.
Era o ponto final.
(...)
(In.: O último voo do flamingo, de Mia Couto)

2 comentários:

Caroline Tavares disse...

Que coisa linda!

Giselle Veiga disse...

bonito, né, mãe?
=)

a mãe do personagem principal do livro contava esa historinha pra ele qndo ele era criança...