quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dilema - Antonio Cícero



O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imerso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo assim é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Para a Fê



"As histórias como ondas, vêm, vão, desmancham-se, recompõem-se, recomeçam, continuam sempre. Esqueci-as e elas voltavam outra vez, ou eram talvez outras, diferentes, parecidas. Ou tudo era talvez sempre a mesma onda batendo, infinitamente repetida e desdobrada"

(Teolinda Gersão, "Os guarda-chuvas cintilantes").

domingo, 4 de julho de 2010

Estou muito compenetrada no meu pânico.
Lá de dentro tomando medidas preventivas.
Minha filha, lê isso quando você tiver perdido as esperanças como hoje. Você é meu único tesouro. Você morde e grita e não me deixa em paz, mas você é meu único tesouro.
Então escuta só; toma esse xarope, deita no meu colo, e descansa aqui; dorme que eu cuido de você e não me assusto; dorme, dorme.
Eu sou grande, fico acordada até mais tarde.

A. C. Cesar.

domingo, 13 de junho de 2010

Sem "fumos" poéticos...

A quase lágrima ameaçava tombar dos olhos verdes sobre a pele macia, mas pálida. Muito pálida. Ficou ali, flutuando na fronteira que separa (ou aproxima?) a tristeza da esperança. Era forte. Não rolou rosto abaixo naquele momento derradeiro. Esperou, paciente. Os olhos inundados. E a quase lágrima resistindo. Forte. Brilhante. No limiar. Não se precipitou no chão, desesperada. Esperou, apenas. E secou.

12/06/2010
Giselle Veiga

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Quinta, nove.

Agarrar de passagem os instantes plenos, os que traziam uma verdade, uma visão qualquer, agarrá-los muito depressa porque no instante seguinte estariam soterrados por mil outras coisas e nunca mais ela os encontraria, vivia assim correndo entre coisas fugidias, verdades fulgurantes mas breves, que nunca conseguia apanhar vivas,

(Os guarda-chuvas cintilantes - Teolinda Gersão)

domingo, 16 de maio de 2010

O Sonho

Era ela e o papel em branco. Também havia o sonho. E as leituras do dia anterior. Queria agarrar o sonho. Fazê-lo parte do dia. Concretizar sua mensagem. Teria mesmo uma mensagem? Acordou assustada. As imagens ainda estavam diante dela e a presença da avó ainda era muito forte. Procurou se acalmar. Respirou fundo e recapitulou fragmento por fragmento daquele sonho que acabava de sonhar. O rio, os livros. Uma criança desconhecida, porém amiga. Um homem conhecido, mas inimigo. Seu avô – por parte de mãe – também passava pelo sonho. Sim, ela lembra que ele apenas contornou a sala cheia de pessoas sem rosto e parou, meio curvado, diante dela. E disse: - Queria falar com a sua mãe, mas parece que ela está ocupada... Falo com você, então. E completou: - Cuida da sua irmã. Ela está fraquinha. E a menina respondeu: - Eu cuido. E seu avô catou uns apetrechos na cozinha, com a sua ajuda cuidadosa, e partiu para seus afazeres corriqueiros. O sonho mudou de lugar. Quer dizer, o ambiente do sonho, após a partida do avô, era outro. Encarando a folha branca, mas agora com algumas frases salpicadas, ela tentava achar esse pedacinho que unia um espaço do sonho ao outro. Em vão. Não é possível! Tinha passado tantas vezes o sonho feito filme em sua cabeça para não esquecer ao acordar na manhã seguinte. Mas esqueceu. Passou, escapou. Feito o tempo: que passa sem que a gente consiga agarrá-lo. Lembrou dos guarda-chuvas coloridos do livro que lia na noite do sonho. A chuva. Se transformou em rio no seu sonho. Era um rio caudaloso e forte. Era escuro também. A menina teve medo. Teria que atravessá-lo de qualquer jeito. Sentia isso no seu sonho tão real. Mas como? Não queria... relutou. Mas: a criança desconhecida ajudou. Trouxe música pro sonho escuro. Trouxe também a força. Entraram na água, as duas. Lado a lado. A correnteza puxava a menina depressa. Avistou um precipício. Gritou que não podia seguir em frente e a voz certeira da nova amiga: Então vá para o outro lado. A menina nadou com tanta força pro lado contrário que: chegou nas pedras da margem. A criança já estava em pé nas pedras e a ajudou a sair do rio. Difícil de explicar o esforço que fizeram, as duas. Mas a menina saiu. Ofegante. A criança virou as costas e a menina reparou como eram estreitinhas. E ficou só. Sozinha. Mas no lugar do rio, agora, existiam pedras. Ela pulou. Uma. Por. Uma. Saltitante. Agora tinha alguma luz no ambiente. E mais alguém apareceu. Um homem. Ela teve a impressão de conhecê-lo. De onde? Sua imagem era parente, mas a sensação que transmitia não era confortável. Pediu um beijo. Ela recusou veementemente. Ele deu uma gargalhada e falou: - Prefiro assim, sem beijo. Se desvencilhou do homem. Avistou a escrivaninha. A chave. Seria mesmo uma chave? Era uma chave triangular, mas sim, era uma chave. Que porta abriria? Ou será que a chave só fecharia: portas? Lembrou das chaves pesadas da casa do avô. Não o avô por parte de mãe. O outro. Por parte de pai. Seriam as mesmas chaves? Mas a fotografia gritava. Largou a chave. Foto bonita. Tão clara. Emanava luz. Era branca, inteirinha. Não, espera. Parece que tem alguém ali. Parada. Sim, uma mulher bonita. Parece feliz. Ela e os livros na estante grande. Ela e os livros no seu colo. Lembrou da sua vó – por parte de mãe. A vó gostava de livros. Os livros espalhados pelo chão. Muitos livros. Quase que os livros expulsam a mulher da fotografia. Mas a menina fixa os olhos na mulher. Os livros eram apenas a moldura. Emoldurada. Ela estava. Parecia feliz. Satisfeita. Ela e os livros. Só. Sozinha. Mas...É a mãe do meu pai, pensou a menina. Não é a mãe da minha mãe. Os pares eram outros no sonho. Interessante, pensou a menina. Novamente. Tinha um pouco de dificuldade em chamá-la de vó. Havia morrido quando tinha um ano. Mas era sim, sua vó. E ali, naqueles instantes enquanto encarava a fotografia, conheceu-a intimamente. Como se fosse parte dela mesma. Da menina. Não mais criança. Sem medo. A menina acordou assustada. E foi dormir no quarto da mãe.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Fragilidade...
Estradas mal iluminadas.
Inefavelmente, a luz!
Paisagens moventes.
Renovação!
Metamorfose...

(20/02/2010) - !!!

domingo, 31 de janeiro de 2010

"...E eu compreendia a impossibilidade contra a qual o amor se choca. Imaginamos que ele tenha por objeto um ser que pode estar deitado à nossa frente, oculto num corpo. Mas ai! Ele é a extensão desse ser em todos os pontos do espaço e do tempo que esse ser ocupou ou vai ocupar. Se não possuímos seu contato com tal lugar, com tal hora, nós não o possuímos. Mas não podemos tocar todos esses pontos. Se ainda nos fossem indicados, talvez pudéssemos tentar alcançá-los. Mas tateamos às cegas sem encontrar. Daí a desconfiança, o ciúme, as perseguições. Perdemos um tempo precioso seguindo uma pista absurda e passamos ao lado da verdade sem suspeitá-la."

(Em busca do tempo perdido, Marcel Proust. Apud. CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. p. 126)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Mãe que me deste a poesia por eternidade
embora me doa imenso criá-la,
a mágica beleza das palavras quando as posso merecer,
é só por elas que eu hoje vivo cantando.

Não posso fazer
grandes louvores à vida
mesmo sabendo que me é tão precioso viver,
digo-o aqui para que se entenda que o meu chão, a minha terra, traz-me sonhos terríveis e muito sangue a escorrer e demasiada ambição e se escrevo com uma certa brandura é porque pronuncio as palavras já com medo de as matar e eu queri-as vivendo e iluminadas de fascínio. Voar é não deixar morrer a música, a beleza, o mundo e é também fazer por escrever tudo isso. Nada pode ser mais deslumbrante que esta relação com a vida e por essa razão me obstinam as aves e me esforço por querer sê-las. Eu gosto do modo como desarrumam os meus assombros, os meus desesperos ante tanta podridão e também como me alarmam quando quererm não admitir certas coisas. Estou contente mãe, deste-me a poesia por eternidade embora me doa tanto criá-la, aqui, na pátria da lassidão.

(Eduardo White, em "Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de ser Ave")
Não faz mal.

Voar é uma dádiva da poesia.
Um verso arde na brancura aérea do papel,
toma balanço,
não resiste.

Solta-se-lhe
o animal alado.
Voa sobre as casas,
sobre as ruas,
sore os homens que passam,
procura um pássaro
para acasalar.

Sílaba a sílaba
o verso voa.

E se procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum sentimento o terá deixado pousar, partido com ele. Estará o verso connosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube. Aquietemo-nos. Amainemos esse desejo de o prendermos.

Não é justo um pássaro
onde ele não pode voar.

(Eduardo White, em "Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave")