A questão pressupõe duas perspectivas. A primeira será a descrição do contexto. E vamos a ela. Escrevo normalmente o menos vestido possível, ou com roupas largas, se o frio do quarto não o permitir. Mas, como vivo em clima tropical, os calções são suficientes, desde que o ar condicionado esteja ligado. Não posso escrever suando nem com os pés gelados. Pelo meio termo, encontro as condições ideais. Uma coisa: impossível escrever com um cinto a apertar as calças, se for forçado a usá-las. Mesmo num cibercafé, tiro o cinto e desaperto o botão de cima, o que só acontece para escrever e-mails.
Prefiro escrever de manhã, mas já fui adepto total da escrita nocturna. De facto, depende das circunstâncias. Não penso que os horários interfiram muito com a criatividade. Ponho sempre música, muito baixinho, apenas para cortar o ruído do ar condicionado, o qual por sua vez já tinha abafado o barulho da rua. A música é só instrumental, clássica ou moderna, pode ser Bach ou guitarra espanhola, não pode é ser cantada, porque as palavras me distraem. A música, essa, de facto nem a oiço. Só quando o CD termina é que reparo. E ponho outra.
Mas passemos à outra perspectiva, provavelmente a mais interessante. Se escrevo um romance, primeiro tenho uma ideia o mais vaga possível do que vou fazer. Há sempre vários temas em cima da mesa, há sempre alguns já começados, por vezes meia dúzia de linhas apenas. Sucede que fiquem dezenas de anos a amadurecer, sem que lhes mexa. Vou escrevendo coisas, como lhes chamo, coisas… E, de repente, uma frase, um personagem, ou um tema me agarram. Pronto, fui apanhado e agora é só prosseguir. Se foi um personagem, vou tentar descobrir o que tem no corpo e por trás. E ele ou ela se vai revelando ante os meus olhos admirados. Depois, esse personagem precisa de estar em acção, qualquer que ela seja. Porque isso de personagem sem acção é para prazer de estetas, não de leitores.
A acção vem naturalmente e desenrola-se. Com ela, surgem os outros personagens. Não há segredo nenhum nem feitiço, é simples, é só seguir os personagens, pois a todo o momento eles nos dizem o que querem fazer. Claro que tento controlar um pouco as coisas, para não haver demasiadas contradições.
Se o que me agarra é uma frase, faço dela o começo do livro. E continuo com ela. É como um rio, nasce no meio de rochas e depois vai crescendo com as afluentes e com as chuvadas.
O escritor é apenas a Natureza ou os deuses que lhe vão alimentando e fazendo engrossar o caudal, até ao mar. E a obra de repente diz ao escritor, estou no fim, sinto-me acabada. É só pôr o ponto final.
(terça-feira, 11 de Março de 2008) In.: http://timeout.sapo.pt/news.asp?id_news=1191